quinta-feira, 14 de maio de 2015

Versos antigos — parte IV


poucas pessoas, nenhuma talvez,
disseram tanto sobre mim, em tão pouco tempo
por onde você olhou para me ver tão fundo
enxergaste um pedaço do passado
escondido ou preso
numa masmorra escura
que agora tento abrir
com a ponta de um lápis
prisioneiro da auto-censura
me deixei ficar por muito tempo
tenho sentimentos, mágoas, experiências
que quero dividir com o mundo
que é aquilo que me cerca
quantos versos rabisquei
ao tentar dizer solidão
quantas rimas procurei
para descrever a paixão
quantos anos me guardei
até descobrir que o pulso
segue o coração
e não a cabeça

Marina V. Medeiros

terça-feira, 28 de abril de 2015

Versos antigos — parte III


teu coração sem abrigo
vivia exposto ao relento
hoje caminha comigo
dando a mim o alento
para enfrentar o perigo
para cavalgar no vento

Marina V. Medeiros

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Versos antigos — parte II


estou cansada de esperar a inspiração
apagando eu vou recolhendo
aquilo que não quero mostrar
e me escondo atrás dos borrões
não vou mais rabiscar

Marina V. Medeiros

sábado, 11 de abril de 2015

Versos antigos — parte I


vi o passado a se estender à minha frente
remexendo em velhas gavetas
não sei se enxergava longe
ou se muito pouco caminhei
coisas que eu dizia há muito
são coisas que ainda sinto
será que tão pouco mudou?
raspando a casca
o miolo é igual

Marina V. Medeiros

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Meu mais novo livro


Feito com todo carinho pela editora OrganoGrama Livros, está quase pronto o meu novo livro, chamado Contos do 9º andar. São dois contos escritos e guardados há alguns anos na gaveta, e que agora estão vindo à luz do dia. Fico muito feliz com este lançamento e espero que meus amigos e familiares gostem deste presentinho de natal que preparei.



Coordenação editorial | Lucas Viriato
Edição e Coordenação gráfica | Lucas Viriato
Produção editorial | Santiago Perlingeiro
Arte da capa | Fernando Brum
Foto de capa | Carlos Meijueiro
Design | Abreu’s System
Revisão | Myriam Bastos


quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Jordana


Quando meu avô morreu, houve um leilão da casa onde morávamos, na Rua Senador Vergueiro nº 32. Era a casa onde eu havia nascido, e ficamos sem ter onde morar aqui no Rio. Então, depois de uma longa conversa entre os membros da família, resolvemos ir para Petrópolis, onde meu avô tinha diversas casas. Escolheríamos uma para morar. Além disso, havia a facilidade de a escola ser a mesma que a do Rio, Colégio Notre Dame de Sion. Minha avó havia sido a primeira aluna desse colégio, e por isso fomos logo matriculadas, eu e minha irmã, Lúcia.

A casa era de parede e meia com a de meu avô, de diversos quartos e bem grandes. No dia seguinte, fomos ao colégio para conhecer as freiras e as meninas. Conheci três novas alunas que logo seriam minhas colegas: Beatriz Amoroso Costa, Helena Rezende, e a terceira era desconhecida, mas em breve faríamos amizade. A irmã que seria nossa professora avisou que uma das nossas futuras colegas era judia, portanto, não precisaria assistir às aulas de religião. Na mesma hora, essa aluna, que se chamava Jordana, levantou e disse que assistiria a todas as aulas, não importando quais fossem. Houve uma troca de palavras ríspida entre a professora e Jordana, mas depois ficou bem claro que prevaleceu o desejo da aluna. Isso significava que a vontade de Jordana era muito mais forte. 

Jordana nunca deixou de tomar parte nas aulas de religião. Discutia conosco e com suas amigas como se partilhássemos da mesma fé. Lembro-me que dizia que os católicos podiam conversar com Deus chamando-O pelo nome verdadeiro, Javé. Além disso, podíamos conversar com Ele do mesmo modo como conversamos com os nossos pais. Era tão dedicada às aulas de religião que suas notas eram as maiores da classe. 

O pai de Jordana chamava-se Doutor Guido e sua mãe Dora. Doutor Guido era de uma alegria imensa, já a mãe era menos espontânea. Lembro-me de passar horas inteiras me divertindo com o Doutor Guido. Quando conversava com ele, em companhia de Arnaldo, meu futuro marido, terminávamos sempre às gargalhadas. Surgiu daí uma amizade sólida e alegre, que incluía também Jordana que, como o pai, emprestava um sorriso largo a tudo que fazia. A irmã mais velha, chamada Franca, era casada com um rabino de Buenos Aires e tinha quatro filhos homens. Todos os quatro já tinham estado em Israel, nas fazendas experimentais, trabalhando como colonos, mas nenhum servira ao Exército. Através das amizades, meu pai acabou sendo apresentado a eles — tinham aqueles traços característicos de Jordana, a alegria dela.

Os quatro primos argentinos de Jordana procuravam arranjar-lhe casamento, pois que, assim como todos na família, não gostavam do atual namorado, Rogério Rodrigues. Mancomunados com o restante dos familiares, tinham marcado um encontro com um rapaz argentino de boa aparência. Quando ela viu seu retrato, ficou imediatamente encantada. Este rapaz resolveria todos os seus problemas, tendo em vista que ela, sendo judia, teria de casar com um judeu. Quem não gostou foi o seu então namorado, ao saber do encontro com o tal argentino. Inclusive, ficou fora de si quando ela contou que iria acabar com a relação. Apesar do desespero do namorado, Jordana estava decidida a deixá-lo.

Rogério insistia em se encontrarem mais uma vez para um chá de despedida, no que, sentindo pena, ela acabou aceitando. Iriam até a Barra da Tijuca, num lugar cheio de pequenos restaurantes. Foi o começo do fim de Jordana. Rogério já tinha armado seu plano. Aluno da universidade de química, planejou que neste encontro mataria Jordana e poria fim à própria vida. Ele levou o veneno, fortíssimo, que tinha tirado do laboratório da escola. Serviu o chá para ela e uma outra xícara para si. Houve uma pequena discussão sobre o fato de ela desejar acabar o namoro. Ele adoçou e bebeu o chá de uma só vez,enquanto ela o fez como uma pessoa normal faria, colocou o açúcar e bebeu um gole — o açúcar era o veneno. Ele caiu morto, e ela, tendo provado apenas um gole, que lhe corroeu o interior, levantou com um grito e caiu morta logo depois. Os dois tombaram no chão do restaurante.

No dia seguinte, como de costume, meu irmão Jorge comprou o jornal — o jornal matutino — onde estava na primeira página a notícia da morte do casal, que fizera um pacto de morte na Barra. Então, ele imediatamente avisou à minha mãe para que eu não lesse e nem visse a notícia, mas não teve como esconder, porque em pouco tempo todos ficaram sabendo.

A campainha lá de casa tocou. Era o Doutor Guido, desesperado com o fato. Ele só pensava numa coisa: que haveria uma investigação criminal, o que significava que fariam uma autópsia. Ele implorou ao Arnaldo, invocando sua amizade, que fosse assistir à autópsia e, chorando, com lágrimas rolando pelo rosto, pediu que ele não deixasse ninguém abusar do corpo de Jordana. Arnaldo atendeu ao pedido do Doutor Guido, assistindo à autópsia, quando foi constatado que ambos morreram envenenados; ele conscientemente e ela, inocente, tomando o veneno sem saber.

Aí veio o procedimento do funeral, para a família e os amigos, arrasados. Nunca mais haveria a alegria de Jordana.

Marina V. Medeiros