terça-feira, 26 de julho de 2011

Pecado


Sinto-me tua, só tua
Mas a outro amei,
Com paixão,
Com loucura,
Com outro pequei.
Meu corpo é teu, só teu,
Mas a outro beijei,
Em carícias,
Com desejo,
A outro me entreguei.
Sinto torturas,
Pois sendo só tua,
Com outro amei,
E nele não te encontrei.

Marina V. Medeiros
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quinta-feira, 21 de julho de 2011

Uma anedota na roça


Mané Olimpo e Zé do Brejo são dois roceiros empregados do fazendeiro Orestes, que era dono da maior parte das terras da região. O patrão encumbiu os dois caipiras a ir desbravar um sítio que havia comprado. O sítio era muito distante da civilização e para se chegar na cidade mais próxima, tinha-se que andar três dias. Carro não chegava lá, pois atravessava riacho onde a ponte estava prestes a cair, subia morrete, atravessava mata fechada cheia de animais ferozes até chegar ao vilarejo onde havia o primeiro sinal de civilização: que era a casa do vigário. Lá, não havia nada além de sua moradia, nem telefone, nem posto médico ou policial.
Já no local, cada um dos caipiras começou a trabalhar o terreno com suas ferramentas. O tempo passou depressa, sem se darem conta. Foi no terceiro mês de trabalho duro que aconteceu um grande imprevisto. Zé do Brejo da um grito de repente e cai no chão contorcendo-se de dor. Mané Olimpo ainda tem tempo de ver a cobre altamente venenosa arrastar-se no chão até entrar em um pequeno buraco na terra. Sem pensar duas vezes, ele rasga um pedaço de sua camisa e entrega ao amigo para amarrar no local da picada e foi depressa buscar socorro. Andando rápido, por vezes correndo, começa a longa viagem. E, para o azar do amigo que ficara agonizando, como se não bastassem todos os obstáculos, começara a chover. No caminho, dizia palavras que lembrava das orações da mãe: “Jesus, Maria e José!”.
Chegando ao vilarejo, teve a sorte de encontrar um amigo do pároco que estava visitando-o. Mané Olimpo apressou-se em contar a história do amigo, que tinha acontecido já há três dias. Após ouvir atentamente, o amigo do padre se apresentou: “Meu nome é doutor Homero.”. Mané Olimpo exclamou: “Graças a Deus! A cura chegou pro meu amigo Zé do Brejo.”. O médico começou a explicar os procedimentos: “No lugar da picada da cobra você faz um pequeno corte com uma faca e suga todo o veneno. Mas chupe todo o veneno e bote pra fora, não engole. Faça isso chupando muito e cuspindo tudo fora.”. Agradeceu ao médico e voltou correndo para salvar o amigo dizendo baixinho: “Jesus, Maria, José, aguente firme, meu quase irmão, Zé do Brejo, estou levando a cura…”.
Depois de dias de caminhada, avistou ao longe o amigo caído e gritou: “Aprendi a cura!”. Então perguntou ao amigo, já com a faca na mão para cortar e chupar o veneno: “Onde a cobra te picou, Zé?”. Zé do Brejo, agonizando, aponta para o pênis, roxo, todo inchado, e pede ao amigo: “Salva minha vida, Mané…”. Mané Olimpo arregalou os olhos, ficou de pé e falou: “Então… Eu falei com o doutor e ele disse que você vai morrer mesmo!”. Mané não quis chupar o pinto do amigo, nem para salvar a sua vida. Não há relatos sobre o final dessa história, mas, provavelmente, ele não foi nada feliz.

Marina V. Medeiros
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sábado, 16 de julho de 2011

Quem foi Ana?


Você conhece Ana? Um belo dia, a campainha da porta do meu apartamento tocou e lá estava uma mulher, que me disse: “Eu sou Ana. Conheci o seu marido e achei-o muito inteligente e simpático. Foi através de minha sobrinha, Geruza. Minha sobrinha é dona de um apartamento que está sendo administrado pela firma onde seu marido trabalha.”
Convidei-a a entrar. Eu estava tomando café da manhã e ofereci para ela tomar junto comigo. Ela aceitou e começamos a conversar. Senti que era uma mulher muito especial, calma e atenciosa. Ana contou que gostava muito do meu marido, mas que tinha que conversar comigo sobre sua sobrinha Geruza e Armando, o meu marido. Foi logo dizendo: “sou muito franca, e quando tenho que tocar num assunto desagradável, se for necessário, eu falo de qualquer jeito. Não levo em conta empecílios, entendeu?” Foi então que me contou que andava preocupada com o relacionamento de sua sobrinha com o meu marido.
Disse que sabia que seria difícil para mim escutar o que ela iria contar, pelo fato de eu ter acabado de sair de um AVC – uma trombose na carótida que não fora fatal por metade da circulação ter sido enviada ao cérebro através da artéria ocular – e que sabia que eu estivera um mês internada. “Esse mês, eles, seu marido e minha sobrinha, ficaram juntos enquanto você estava hospitalizada. Sei que estavam muito enamorados, como contou Geruza, e que ele resolveu que assim que chegasse em casa iria se separar de você para ficar com ela. Mas ela o dissuadiu disso, por achar que ele não tinha condição de dar uma pensão para você e os oito filhos, pois não era rico. Ele aceitou o argumento, mas resolveram, ambos, que continuariam a dar um jeito de não se separarem. E foi o que aconteceu.
Ana contou que a primeira etapa do relacionamento deles durou muito tempo, cerca de três anos e, apesar de todos os seus esforços, não conseguiu que nem Geruza e nem Armando desistissem de ser amantes. Com o passar do tempo, o caso foi prosseguindo até perfazer um total de onze anos. Ana contou que conversou muito com Armando para ver se conseguia fazê-lo deixar sua sobrinha. Hoje, ela não podia admitir que um casamento de mais de vinte anos, como o meu, fosse desrespeitado dessa forma. Mas nada adiantou.
Essa foi Ana, uma mulher excepcional que tive a oportunidade de conhecer. Eu posso responder a pergunta do início: eu conheci Ana e sou grata por ela ter se aberto comigo, por ter se mostrado minha amiga. Essa foi Ana. Essa foi a Ana de minha vida. Quantos de vocês tiveram uma Ana como amiga?

Marina V. Medeiros
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sexta-feira, 10 de junho de 2011

Nebulimaníaco?

Ele era um homem normal (ou quase normal). Mas, na verdade, era um viciado em nebulização. A cada resfriado, ficava torcendo para que se tranformasse em uma gripe. Pois então, teria que fazer a nebulização. Fico pensando em como devemos chamá-lo. Viciado em fumo é fumante, viciado em maconha é maconheiro, viciado em morfina é morfinômano. E ele, viciado em nebulização, como deveria ser chamado? Nebulizeiro, nebulimaníaco... Ou, peço para me ajudarem. Mandem-me suas opiniões e suas ideias de como chamá-lo. Estou esperando a sua  própria resposta a este respeito. Agradeço de antemão e peço para não demorarem a responder, pois vou aguardar até poder continuar essas minhas lucubrações. Enquanto isso, o meu personagem, mais uma vez, arma outra nebulização, como em uma cena de teatro. Ele coloca no som  um CD com a famosa música Rimsky-Korsakov: Sherazade. Que trás à sua imaginação um divã repleto de almofadas onde ele está entre duas mulheres em trajes transparentes fumando narguilês. Não há dúvidas que trata-se de uma maníaco com uma boa imaginação.
Marina V. Medeiros

segunda-feira, 25 de abril de 2011

A cor da saudade

acordo com uma pergunta
martelando em minha mente
(como acontecera durante
a noite inteira)
a pergunta é:
qual a cor da saudade?

seria branca como o cravo
na lapela do noivo ansioso?
ou alba, sedosamente transparente,
mostrando as curvas
da noiva amedrontada?
ou ainda rubra, vermelha,
como a virgindade estuprada
transformando a jovem  em mulher
sensual, adorada, desejada?
prateada e dourada como as bodas
que festejam a felicidade
dos casais mais antigos?
negra, noturna
com seus múltiplos orgasmos
de descobertas sexuais?
roxa como os cravos
enterrados junto aos defuntos?

pergunto mais uma vez:
qual a cor da saudade?
“nenhuma”, tu me respondes
sussurrando em meus ouvidos
entremeando com  beijos.
“a saudade não tem cor alguma
a saudade é simplesmente
uma dor de amor”.

Marina V. Medeiros

terça-feira, 5 de abril de 2011

Todo amor

todo amor é imenso
todo amor é insano
todo amor emociona
e faz verter lágrimas de felicidade
todo amor é dádiva
todo amor promove desejos
todo amor é único
esse nosso amor
é tudo isso e mais alguma coisa
pedi a Ele que fizesse
desse nosso amor
um amor infinito

Marina V. Medeiros

quinta-feira, 24 de março de 2011

O cu do coronel

            Genessy Ladeira era uma alagoana viciada em sexo anal. Justamente por causa desse vício, tinha nádegas volumosas, porém firmes, que chamavam a atenção de quem a conhecia.
            Coronel Lucindo de Collor Melo não era parente do presidente, mas fazia questão de insinuar que era, por causa do seu sobrenome. Ele era coronel, não de alguma força armada, mas do tipo coronel do norte, cuja tropa era de jagunços que faziam todas as falcatruas pelo seu chefe.
O Coronel tinha verdadeira adoração por Lampião e, por causa disso, recebeu o apelido de “coronel Lamparina”. Quando estava em Alagoas, frequentava os bordéis da região e, por isso, um dia foi parar naquele onde estava Genessy, de cuja fama já tinha ouvido falar. Logo da primeira vez ficou alucinado por suas nádegas e por sua habilidade em fazer sexo anal. Quando viu suas nádegas, abriu o seu rego encontrando seu ânus, que era bem alargado pelo uso.
Depois dessa primeira vez, entrou em contato com a dona do bordel e comprou a moça. Levou-a para o Rio de Janeiro, onde tinha dois sobrados alugados na Lapa. Um para sua turma de jagunços e outro para suas orgias sexuais. Colocou-a em um deles e botou toda a jagunçada tomando conta, avisando que qualquer um que usasse a moça, ou melhor, seu cu, iria se transformar em comida de jacaré. Era dessa forma que os condenados por roubo, assassinato e outras coisas mais eram mortos, e ninguém mais os encontrava. Acabavam nas lagoas da Barra da Tijuca.
Acontece que, enquanto ele dormia no hotel da Glória, a jagunçada toda, os empregados da padaria, do barzinho que ficava em baixo do sobrado, todos entravam na fila para conhecer o famoso cu. Apesar dos avisos da jagunçada, que dizia que aquele que ele era o cú do coronel e que tomassem cuidado. Mas a fama se propagou na mesma velocidade do vício de Genessy. Para ela, todos tinham vez e logo ficou sendo conhecida como o “cu do coronel”.
Essa alcunha ocasionou momentos desagradáveis ao Coronel, quando um ou dois viciados em cu o procuravam querendo conhecer o “dele”. Na mesma hora foram para na lagoa. Mas a lenda corria depressa, e até hoje é contada não só no Rio de Janeiro, mas nas ruelas da Gamboa. Dizem que os contadores do norte também ajudaram a propagá-la em seus versos de cordel.
Essa é a lenda do cu do coronel.

Marina V. Medeiros

sexta-feira, 11 de março de 2011

Amor Viúvo

O tempo passa e a saudade
teima em trazer recordações.
Seus pedidos de sexo
sussurrados em meus ouvidos,
suas mãos cobrindo
minhas curvas de carícias,
seu corpo pesando
em cima do meu,
nos levando ao êxtase.
Ah, meu amado,
até quando esse amor viúvo
destroçará meu coração?
Tu, com ternura,
responderias mais uma vez
usando a palavra mágica
do nosso amor: “Toujours”.


Marina V. Medeiros

domingo, 6 de março de 2011

Os órfãos

Eram três irmãos. Maria, de doze anos. João, de sete anos. Ana, de cinco anos. Ficaram órfãos depois que seus pais morreram em um desastre perto de Barbacena, quando o jipe com um grupo de jovens alcoolizados entrou de repente na rodovia, vindo de uma estrada vicinal. O pai das crianças deu uma guinada para fugir da colisão, mas, ao fazer isto, passou para a contramão e bateu de frente com um caminhão-tanque cheio de gasolina. Houve uma explosão e os dois veículos pegaram fogo.
Os meninos foram parar em um educandário de irmãs de caridade (aquelas com chapéus grandes), onde ficaram à espera de adoção. A madre superiora, Margareth, condoída com a má sorte das crianças, tratou logo de procurar uma nova família. Os meninos eram muito unidos, e os dois menores chamavam de mãezinha a irmã mais velha. Enquanto estavam no educandário a espera de adoção, Maria ia diariamente à capela rezar em frente à estátua da Virgem segurando o menino com as duas mãos, como se tentasse fazê-lo andar.
No dia que apareceu um casal interessado em João e Ana, Maria, com o coração oprimido pela possibilidade de se separar dos irmãos, foi rezar na capela para a Virgem, em agradecimento, apesar de tudo. Quando tirou do rosto as mãos, que estavam molhadas de lágrimas, seu coração saltou dentro do peito: a Virgem sorria para ela. Maria esfregou os olhos como se estivesse vendo o que não existia e se retirou da capela.
Logo encontrou a irmã Margareth, que lhe disse para logo pegar os pertences dos irmãos e seus brinquedos, que consistiam em um caminhão de madeira e uma boneca de cabelos desgrenhados. Maria foi buscar tudo e colocou dentro de uma sacola entregando à irmã Margareth, que levou junto aos meninos no parlatório. Maria não quis acompanhar, preferiu não assistir à entrega dos irmãos à família e voltou para a capela. Logo ao encontrar Maria, a irmã foi ao encontro dela dizendo para também juntar seus pertences, pois a família a levaria junto.
A menina, rapidamente, ainda sob o efeito da emoção, juntou suas coisas. Mas, antes de ir ao parlatório, resolveu entrar na capela para agradecer à Virgem. Chorando, cobriu o rosto com as mãos e rezou intimamente. Novamente olhou para a Virgem e, desta vez, viu que não era a Virgem que sorria e sim o menino. Maria, com o coração cheio de alegria e louvor, acompanhou a irmã Margareth ao parlatório.

Marina V. Medeiros

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Solidão

Acordo com um derradeiro soluço do pranto sonhado. E uma última lágrima desliza por minha face como a carícia de um beijo vindo do bem amado. Estou sozinha nesta estrada longa da qual não vejo fim, com seus alvores amadurecendo em escuridões neste meu tenebroso destino. O perfume da saudade me embriaga dando a certeza latente e angustiante de que o que foi não o será uma vez mais.

Marina V. Medeiros

domingo, 9 de janeiro de 2011

Uma tragicomédia carnavalesca

            Satanás. Assim era conhecido um negro de 1m98 de altura, morador do Morro da Mangueira, ex-lutador de boxe como atestava seu nariz quebrado e seus dois caninos reconstituídos a ouro. Atualmente um gari da Comlurb.
            Seu codinome era por causa dos muitos nocautes aplicados e seu temperamento explosivo. Seu nome verdadeiro (do qual tinha vergonha desde a infância) era Digo Pedro, ocasionado por um erro na hora do seu registro.
            O funcionário do cartório, novato, errara começando a escrever PRE, percebendo o erro parou e perguntou ao companheiro:
            — O que eu faço?
            Este respondeu: — Escreva digo e então o nome certo. Assim foi feito. Satanás pagou por este erro durante sua existência, desde a escola com as chacotas e no exército com as gozações do sargento.
            Alfredo, outro morador do morro, era o dono de um raro Ford Bigode conversível que ele tratava com extremo cuidado. Através dele conseguia contratos com estúdios de TV e de cinema. Ele mantinha o carro guardado na base do Morro da Mangueira em uma concessionária que o exibia como chamariz para clientes.
            Isabelita dos Patins era assim chamada por ser exímia patinadora, o que lhe valera um emprego no Carrefour, quando da sua inauguração. O seu trabalho consistia em recolher os itens recusados pelos clientes no caixa e recoloca-los nos seus devidos lugares. Assim como ajudar os compradores a carregar os carrinhos cheios até o estacionamento ajudando-os a colocar as compras em seus carros, o que lhe rendia boas gorjetas. Ela não morava na Mangueira e sim no Salgueiro, mas nos fins de semana era sempre passados na Mangueira em casa de sua avó.
            Cupido era um cearense franzino que vivia vestido de mulher. De cabelos encaracolados e oxigenados, não escondia sua declarada feminilidade. Era muito amigo e protegido por Pandora. Esta outra moradora da Mangueira. Seu casebre era de uma só peça dormitório, sala, cozinha e banheiro. Este consistia numa cadeira de assento redondo do qual ela retirara a palha, tendo embaixo um penico de ágata verde musgo com enfeites de flores. Este fazia parte de um conjunto de bule e caneca. Ela fazia a maquiagem das drag queens e das putas, além de outras. Sua caixa de madeira com alça continha seus batons, seus cremes, seus rouges, seus cílios postiços e otras cossitas más.  Enfim, todo material necessário para uma boa maquiagem.
            Entre a porta e o telhado de zinco do casebre havia uma madeira escrita com grafite preto: ÇALÃO CECILYA.
            Quando chamavam sua atenção que salão não era com cedilha, ela dizia gostar mais deste C com cedilha pendurada do que com S e a razão do Y era por achar que isto dava um tom de nobreza a seu nome (como a Lady Di).
            Ela tomara para si a proteção de Cupido, passando a ser sua defensora principalmente contra Satanás que tinha ganas e implicava muito com este.
            Era domingo de Carnaval. Alfredo tirara o carro da garagem, abaixara a capota e mal fizera isto, Cupido já estava encarapitado, rebolando ao som das marchas de Carnaval que saiam de um auto falante instalado por um eletricista amigo do Alfredo.
            Pandora tirou de dentro de sua caixa um saquinho plástico, onde enfiou a mão trazendo-a cheia de confete, logo espalhando sobre a cabeça dos ocupantes do carro. Também tirou de lá um rolo de serpentina que junto com Isabelita jogavam uma para outra fazendo com isto uma decoração.
            Entraram no trânsito e seguiram lentamente para Ipanema. Cupido não parava quieto, cantava, rebolava... Os ocupantes dos ônibus vinham todos para as janelas para vê-lo. Ele então virava a seu traseiro metido em uma sunga preta com um coração vermelho que causava furor na platéia.
            Satanás cada vez mais irritado tentava dar chapoletadas no assanhado Cupido. Mas Pandora o ameaçava com sua caixa e Satanás se continha com certa dificuldade.
            Chegando ao Arpoador, ficaram atrás dos músicos da Banda do Banho de Mar a Fantasia. Os carnavalescos a esta altura numerosos, prosseguiam devagar atrás do carro que seguia na pista fechada ao tráfego. A garotada da praia correu para assistir aquela cena enquanto os turistas tentavam imitar os passos de samba sem sucesso.
            Isabelita aproximava-se dos turistas e mostrava sua bolsinha pendurada ao pescoço querendo induzi-los a soltar algumas verdinhas. O que conseguiu, inclusive a inacreditável nota de 10 dólares, a qual ela rapidamente destacou das outras e guardou em seu soutien.
            Alfredo foi até o fim da praia e retornou procurando uma vaga no canteiro central entre os ônibus ali estacionados, o que conseguiu.
            Isabelita entrou em uma transversal e pouco tempo depois voltou com um saco pardo manchado de gordura e colocou ao lado de Pandora. Esta tirou da sua caixa um pedaço de cortina de box que estendeu no chão. Colocou o saco rasgando este e retirando uma galinha assada em pedaços. Na mesma hora Alfredo pegou as sobrecoxas, Isabelita e Pandora dividiram o peito, sobrando para Cupido o que ele mais gostava: as asinhas esturricadas e a sambiquira.
            Isabelita também trouxe um saco plástico com seis latas de cerveja. Pandora rapidamente com extrema habilidade pegou uma das latas e guardou em sua caixa. As outras latas foram distribuídas com o resto do grupo.
            Depois do almoço ficaram esperando a Banda de Ipanema que já começava a se formar na Praça General Osório com um número enorme de seguidores.
            Cupido voltou a ficar excitado e logo pediu a Alfredo para carregá-lo no ombro; Satanás fechou a cara e ameaçou dar uma chapoletada em Cupido, mas notou que Pandora o ameaçava com sua caixa. Satanás se controlou e quando os músicos da banda (passaram) logo entraram seguindo a banda.
            Cupido continuava excitadíssimo no ombro de Alfredo e inesperadamente Satanás deu um murro em Cupido jogando-o ao chão.
            Enquanto Pandora cuidava de levantar Cupido, Isabelita e Alfredo discutiam com Satanás, mas este ameaçava bater mais em Cupido.
            Pandora sorrateiramente abriu uma fresta de sua caixa, meteu a mão e tirou de lá uma peixeira. Quando Satanás avançou, ala enfiou a lâmina em sua barriga levando-a até sua garganta.
            Alfredo e Isabelita se juntaram a Santanás evitando que ele caísse ao chão e o arrastaram para a beira da calçada até uma árvore onde o sentaram apoiado no tronco.
            Pandora, que acompanhara os dois amigos, limpou a lâmina na roupa de gari de Satanás, guardou a peixeira novamente na caixa tirando de lá a lata de cerveja que havia surrupiado. Abriu-a e deu dois longos goles e a colocou nas mãos de Satanás. Mais uma vez retirou da Caixa uma peruca de papel celofane verde e colocou na cabeça de Satanás escondendo um pouco seu rosto.
            O grupo se reuniu rapidamente de volta ao Ford Bigode. Alfredo levantou a capota, eles entraram e rumaram de volta ao Morro da Mangueira.
            O carnaval para eles estava terminado. Lá na Mangueira no barraco de Satanás passaram o resto de dia confabulando o que deveria ser feito. Resolveram finalmente que na quarta-feira de cinzas iriam ao Instituto Médico legal procurar se haviam achado o corpo de Satanás.
            Uma vez lá na terceira gaveta que o funcionário abriu, puderam ver na ponta do lençol que o cobria um pedaço da peruca e quando o funcionário o descobriu, informaram ser esta a pessoa que procuravam
            Foram indagados se eram parentes, mas negaram e disseram ser somente vizinhos no Morro da Mangueira, onde o morto também vivia e pelo que sabiam ele não tinha nenhum parente.
            Foram informados que neste caso em geral o corpo é enterrado em vala comum e eles concordaram.

            E esta é mais uma tragicomédia carnavalesca acontecida nessa cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro que dizem ser uma Cidade Maravilhosa.


Marina V. Medeiros

sábado, 1 de janeiro de 2011

Mentiras

Dizes que eu minto,
Mas não vês a razão
Não queres perceber
Não sabes o que sinto
Ou, se sabes, dizes que não.

Se acaso é mentir
A tudo negar
Para que viver
Não seja amargar,
Então confesso:
A vida ensinou-me a mentir.

Se acaso é mentir
Dos outros escconder
A magoa que fere
O vazio que atordoa,
Então confesso:
O coração ensinou-me a mentir.

Se acaso é mentir
O amor aceitar
A carícia retribuir
E o ódio calar,
Então confesso:
Tu me ensinaste a mentir.


Marina V. Medeiros